24 de março de 2016

A história de uma Presidiária relatada dentro do Presídio, no dia do seu Batismo nas Águas, na Penitenciária Feminina da Capital


Quando Miriã Alves foi presa, em 2007, não imaginava que essa seria apenas a primeira das várias vezes em que iria para a cadeia. Sua história rumo à prisão começa aos 10 anos de idade, quando os pais se separaram. Após o pai sair de casa, Miriã foi parar nas ruas porque com a mãe ela não queria ficar. Ali, conheceu as drogas, e o crack virou seu maior vício. Com 11 anos ela engravidou do primeiro filho, e entre idas e vindas da casa dos familiares, acabou se mudando de vez para as ruas. 

Miriã é jovem, tem apenas 29 anos, mas seu olhar não esconde o tempo de sofrimento. Na capela da Penitenciária Feminina da Capital, em São Paulo, ela é uma das cerca de 100 detentas que aguardam ouvir a história de transformação de vida da ex-modelo Andressa Urach.  

“Me tira dessa vida”

Sentada no penúltimo banco da capela, Miriã mostra-se acessível e sorri quando uma voluntária do Grupo de Presídio da Igreja Universal se aproxima. Ali mesmo ela começa a contar um pouco do que viveu. Dos sete filhos que teve, quatro foram adotados por uma única família, o mais velho também foi adotado, outro está com o tio e a mais nova, de apenas 4 anos, vive em um abrigo porque as irmãs se recusaram a ficam com a menina. Nesse momento Miriã chora não somente pela distância física das crianças, mas pela distância afetiva, principalmente por não saber o que os filhos pensam sobre ela. 


Na primeira vez em que Miriã foi presa, estava num beco fumando. Quando a polícia apareceu para levar o traficante, ele a acusou, e ela, de usuária viciada, passou a ser considerada uma criminosa perigosa. Miriã ficou presa por três anos e saiu. Voltou para a casa de alguns parentes e depois para as ruas em busca de drogas. Em seguida, envolvida em pequenos crimes, voltou a ser presa, mas não demorou muito e ela foi solta.


Certo dia, Miriã estava drogada na rua quando começou a chorar compulsivamente. Ela olhou para os lados e só via pessoas na mesma situação que ela. O choro aumentou e o desespero também. Mas é justamente no fundo do poço que vemos que a única saída só pode vir de cima. E foi para cima, mesmo sem estar em um fundo de poço visível, que Miriã olhou e pediu a Deus que a tirasse de alguma forma daquela vida. Pouco tempo depois ela retornou à prisão onde está até hoje respondendo por associação ao tráfico de drogas.

Caminhos e escolhas

Miriã é uma das centenas de detentas da penitenciária com histórias semelhantes. De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o número de presas saltou de mais de 10 mil, no ano 2000, para cerca de 35 mil, em 2012. Tráfico de drogas e roubo são as principais razões que as levam para trás das grades. Miriã e as demais fazem parte dessa estatística que cada vez mais cresce e leva mulheres cada vez mais jovens para a prisão.

Se elas se arrependem de verdade do que cometeram não há como saber, mas não é raro vê-las lamentando quando ouvem uma palavra de esperança ou são apenas ouvidas. No momento do testemunho de Andressa Urach, por exemplo, muitas choravam, outras ouviam atentas e algumas apenas balançavam a cabeça concordando com o que era dito.

Não há como saber se alguma palavra de fato ficou plantada dentro delas, mas é certo que a chance de recomeçar é dada diariamente através de uma mudança de pensamento e atitudes. Elas sabem que não é fácil sair de um caminho errado para trilhar uma via totalmente diferente da que elas já andaram até aqui, mas sabem também que todas as escolhas que fizeram a levaram a um lugar que jamais desejaram estar. Por isso, muitas decidem-se pela renúncia pessoal e escolhem abandonar o antigo comportamento em prol de um novo estilo de vida, mesmo na cadeia. É o caso de Miriã, que largou a companhia constante das drogas por uma Bíblia e procura sempre orar quando se sente angustiada. Ela admite que sua nova vida, agora na presença de Deus, não tem sido fácil, mas diz que sem dúvida é muito melhor do que a que vivia antes.

A prisão não é o fim

Do lado de fora da capela, uma pequena piscina de plástico é cheia para que as detentas que desejam entregar suas vidas a Deus se batizem. Ao todo, 14 decidem deixar nas águas a vida de erros para iniciar uma nova caminhada. É uma oportunidade que dão a si mesmas para provar que podem sim ser diferentes e mudar por Deus, por elas mesmas e por suas famílias. Elas entendem que somente elas têm a ganhar, por isso muitas saem da piscina com lágrimas nos olhos, na esperança e na certeza de que não tomaram um banho, e sim sepultaram definitivamente aquilo que as fazia errar: o próprio orgulho e ego.  

No final do evento, após a apresentação do Projeto Raabe, que apoia mulheres vítimas de violência e abuso, um exemplar do livro biográfico “Morri para viver”, da ex-modelo, é distribuído a todas. Algumas arriscam um autógrafo, outras um abraço, uma oração final. E assim elas saem da capela da Penitenciária Feminina da Capital despedindo-se com um animado “Muito obrigado!” rumo às suas celas. 

Miriã vai até a voluntária e dá um abraço. Agradece o "ouvido emprestado" e vai embora com um semblante mais vivo. Como não recebe visita dos familiares, pergunta se pode se corresponder por carta. Deseja continuar falando, porque tem fé de que a prisão não é o fim, mas apenas parte de sua história.