Quando Miriã Alves foi presa, em 2007, não imaginava que essa seria apenas a primeira das várias vezes em que iria para a cadeia. Sua história rumo à prisão começa aos 10 anos de idade, quando os pais se separaram. Após o pai sair de casa, Miriã foi parar nas ruas porque com a mãe ela não queria ficar. Ali, conheceu as drogas, e o crack virou seu maior vício. Com 11 anos ela engravidou do primeiro filho, e entre idas e vindas da casa dos familiares, acabou se mudando de vez para as ruas.
Miriã é jovem, tem apenas 29 anos, mas seu olhar não esconde o tempo de sofrimento. Na capela da Penitenciária Feminina da Capital, em São Paulo, ela é uma das cerca de 100 detentas que aguardam ouvir a história de transformação de vida da ex-modelo Andressa Urach.
“Me tira dessa vida”
Sentada no penúltimo banco da capela, Miriã mostra-se acessível e sorri quando uma voluntária do Grupo de Presídio da Igreja Universal se aproxima. Ali mesmo ela começa a contar um pouco do que viveu. Dos sete filhos que teve, quatro foram adotados por uma única família, o mais velho também foi adotado, outro está com o tio e a mais nova, de apenas 4 anos, vive em um abrigo porque as irmãs se recusaram a ficam com a menina. Nesse momento Miriã chora não somente pela distância física das crianças, mas pela distância afetiva, principalmente por não saber o que os filhos pensam sobre ela.
Na primeira vez em que Miriã foi presa, estava num beco fumando. Quando a polícia apareceu para levar o traficante, ele a acusou, e ela, de usuária viciada, passou a ser considerada uma criminosa perigosa. Miriã ficou presa por três anos e saiu. Voltou para a casa de alguns parentes e depois para as ruas em busca de drogas. Em seguida, envolvida em pequenos crimes, voltou a ser presa, mas não demorou muito e ela foi solta.
Certo dia, Miriã estava drogada na rua quando começou a chorar compulsivamente. Ela olhou para os lados e só via pessoas na mesma situação que ela. O choro aumentou e o desespero também. Mas é justamente no fundo do poço que vemos que a única saída só pode vir de cima. E foi para cima, mesmo sem estar em um fundo de poço visível, que Miriã olhou e pediu a Deus que a tirasse de alguma forma daquela vida. Pouco tempo depois ela retornou à prisão onde está até hoje respondendo por associação ao tráfico de drogas.
Caminhos e escolhas
Miriã é uma das centenas de detentas da penitenciária com histórias semelhantes. De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o número de presas saltou de mais de 10 mil, no ano 2000, para cerca de 35 mil, em 2012. Tráfico de drogas e roubo são as principais razões que as levam para trás das grades. Miriã e as demais fazem parte dessa estatística que cada vez mais cresce e leva mulheres cada vez mais jovens para a prisão.
Se elas se arrependem de verdade do que cometeram não há como saber, mas não é raro vê-las lamentando quando ouvem uma palavra de esperança ou são apenas ouvidas. No momento do testemunho de Andressa Urach, por exemplo, muitas choravam, outras ouviam atentas e algumas apenas balançavam a cabeça concordando com o que era dito.
Não há como saber se alguma palavra de fato ficou plantada dentro delas, mas é certo que a chance de recomeçar é dada diariamente através de uma mudança de pensamento e atitudes. Elas sabem que não é fácil sair de um caminho errado para trilhar uma via totalmente diferente da que elas já andaram até aqui, mas sabem também que todas as escolhas que fizeram a levaram a um lugar que jamais desejaram estar. Por isso, muitas decidem-se pela renúncia pessoal e escolhem abandonar o antigo comportamento em prol de um novo estilo de vida, mesmo na cadeia. É o caso de Miriã, que largou a companhia constante das drogas por uma Bíblia e procura sempre orar quando se sente angustiada. Ela admite que sua nova vida, agora na presença de Deus, não tem sido fácil, mas diz que sem dúvida é muito melhor do que a que vivia antes.
Do lado de fora da capela, uma pequena piscina de plástico é cheia para que as detentas que desejam entregar suas vidas a Deus se batizem. Ao todo, 14 decidem deixar nas águas a vida de erros para iniciar uma nova caminhada. É uma oportunidade que dão a si mesmas para provar que podem sim ser diferentes e mudar por Deus, por elas mesmas e por suas famílias. Elas entendem que somente elas têm a ganhar, por isso muitas saem da piscina com lágrimas nos olhos, na esperança e na certeza de que não tomaram um banho, e sim sepultaram definitivamente aquilo que as fazia errar: o próprio orgulho e ego.
No final do evento, após a apresentação do Projeto Raabe, que apoia mulheres vítimas de violência e abuso, um exemplar do livro biográfico “Morri para viver”, da ex-modelo, é distribuído a todas. Algumas arriscam um autógrafo, outras um abraço, uma oração final. E assim elas saem da capela da Penitenciária Feminina da Capital despedindo-se com um animado “Muito obrigado!” rumo às suas celas.
Miriã vai até a voluntária e dá um abraço. Agradece o "ouvido emprestado" e vai embora com um semblante mais vivo. Como não recebe visita dos familiares, pergunta se pode se corresponder por carta. Deseja continuar falando, porque tem fé de que a prisão não é o fim, mas apenas parte de sua história.
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